quarta-feira, maio 31, 2006

A violência nas escolas portuguesas

A RTP, num ecercício de serviço público, divulgou ontem uma reportagem arrasadora sobre a violência nas escolas portuguesas.

Não a vi na totalidade, mas vi o debate e os excertos que iam aparecendo. Infelizmente, casos desses existem e não são apenas numa escola, embora - para grande alívio nosso - ainda não representem a maioria das escolas deste país.
Pela parte que me toca (dou aulas há 16 anos), embora já tenha deparado com algumas situações de indisciplina, nenhuma delas atingiu nada que se parecesse com o observado nos fragmentos que vi da reportagem. Sorte minha? Talvez, mas também nunca dei aulas na periferia das grandes cidades, nem em escolas de bairros problemáticos...

Temos de perceber que há zonas onde se concentram graves problemas sociais e situações de grande carência. Não quero, com isto, desculpabilizar os alunos indisciplinados e violentos (quando tive de organizar processos disciplinares, fi-lo de forma convicta e assumida). Pretendo apenas situar as coisas no seu contexto.
Se formos ver quem serão os pais dessas crianças e adolescentes, muito provavelmente encontramos famílias disfuncionais, com problemas de toxicodependência, alcoolismo, criminalidade ou simplesmente de pobreza material ou cultural. A probabilidade de serem pais ausentes - seja por negligência ou contingências várias - é enorme, embora também se possam encontrar casos de delinquência juvenil em famílias modelares e preocupadas com a educação!
Educar um filho não é o mesmo que instalar um programa de computador. Por vezes há resistências (por isso não concordei com a opinião do psicólogo que falou, que atribuiu exclusivamente aos pais a responsabilidade do comportamento daqueles alunos). Aquilo que se viu, na reportagem parece corresponder a situações - limite para as quais se conjugam uma série de factores em simultâneo.

Além do contexto deficiente, em termos sociais e familiares que referi acima, temos problemas que resultam do próprio processo de crescimento - num mesmo ambiente podemos encontrar miúdos problemáticos e outros não. A juntar a isto, os professores, na sua formação, não recebem preparação eficaz para lidar com casos de violência explícita. Os exemplos de indisciplina que se apresentam para reflexão, em bibliografia pedagógica, nada se comparam com o que se viu na reportagem.
Por último, a responsabilidade do Ministério da Educação também tem sido grande na proliferação destes problemas, pelo constante "sacudir a água do capote", atirando para as escolas legislação que obriga a uma carga burocrática elevada para se punir casos de indisciplina - embora eu discorde da posição de certos professores que desistem à primeira, evocando a inutilidade dos processos indisciplinares (às vezes resultam).

O exemplo retratado na reportagem não representa a generalidade das escolas, embora seja, com certeza, um grave problema que tem de ser resolvido. E uma das formas poderia passar pela video-vigilância das aulas (já contestei esta medida, por julgá-la invasiva, mas agora parece-me necessária), para que não se verifiquem, no decurso de processos disciplinares, situações em que a turma contraria as informações dadas pelos professores na participação de ocorrências - gerando um impasse difícil de contornar. Outra forma poderia ser uma presença mais eficaz dos agentes do programa "Escola Segura" nas escolas onde existem casos de verdadeira delinquência. Mas é óbvio que isso são também remendos, quando o problema de base reside nas estruturas sociais...

E quando o M.E. se prepara para envolver os pais na avaliação dos professores, faz sentido questionarmo-nos: que espécie de pais nos vão avaliar? Será dado o mesmo peso às avaliações de encarregados de educação realmente preocupados e aos que se demitem? Poderá um professor ser penalizado na sua avaliação quando se depara com alunos delinquentes, como os que se viram na reportagem? E quem avalia os encarregados de educação? Que penalidades sofrerão aqueles que faltarem às reuniões e passarem um ano inteiro - ou mais - sem falar com os directores de turma?

Resta saber se aqueles alunos que apareceram na reportagem serão do turno da manhã ou do da tarde, pois, segundo uma "brilhante" alegação da senhora ministra, esta segunda-feira, os da manhã são sempre melhores. Será por irem ainda a dormir para as aulas?

Assim não vamos lá...

Mais um número negro para Portugal. Os 32 mil casos de SIDA, divulgados pelo Relatório Global 2006 da ONU, mais 4 mil casos do que os apontados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis (CVEDT) do Instituto nacional de Saúde até Dezembro de 2005, revelam que, ao contrário do que seria de esperar, não só o número de doentes sida está a aumentar, no nosso país, como também se verificam problemas ao nível da sua contabilização, pois a estimativa poderá atingir os 53 mil casos, sendo essencialmente jovens com idade superior a 15 anos e adultos. Seria de esperar que, após a década de 80, com a proliferação de campanhas de sensibilização e de associações que desenvolvem programas específicos de combate à sida, Portugal estivesse a diminuir os casos de infecção por HIV, mas isso está muito longe de se verificar.
Muito longe vai também o tempo em que as infecções por HIV estavam mais associadas a alguns grupos restritos, como os toxicodependentes e os homossexuais, ou a comportamentos de risco entre os jovens, deixando os outros com a doce ilusão de escaparem ilesos, embora por cá muito poucos se tenham dado conta disso. Um estudo do CVED indica que os casos de infecção entre os heterossexuais representaram 52,7% de todos os notificados no segundo semestre de 2005. Por sua vez, Ana Campos Reis, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, num simpósio feito em Évora, em 5 de Maio, estimou em 40% os casos de SIDA que afectam indivíduos heterossexuais com mais de 50 anos. Alguma coisa está a correr muito mal neste país relativamente à prevenção das infecções por HIV! A que se devem estes aumentos, apesar de tantas campanhas de prevenção e de informação?
Segundo Ana Campos Reis, alguns médicos, para protegerem os seus pacientes, não os notificam, sendo-lhes diagnosticado o vírus apenas quando outras patologias infecciosas não respondem aos antibióticos, verificando-se depois que a contaminação já tinha acontecido há 15 ou 20 anos. “O problema é quando um idoso surge num lar com sida tentam que ele saia, pelo que enquanto houver pessoas estigmatizadas pelo HIV há médicos que se calam e nunca teremos dados nem frontalidade para tratar a doença. Temos que mudar de mentalidade, porque se um pediatra disser que um menino está infectado com sida, esse menino também não entra na escola.” (A.C.R., in: Diário de Notícias, 6/5/06). E a táctica da avestruz – de esconder o problema em vez de o enfrentar – tem contribuído para o descalabro revelado pela ONU. Alguns médicos ocultam as informações para não estigmatizar os doentes, permitindo assim a disseminação da doença quando deviam evitá-la. Mas às vezes são eles próprios a estigmatizá-los, como num caso que conheci em que nem o sigilo nem a pessoa foram respeitados. Associada a esta manifesta incompetência da parte de alguns médicos, continuamos sem programas coerentes de Educação Sexual nas escolas que, entre outros assuntos, informem correctamente as crianças, adolescentes e jovens sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis.
No dia 15 deste mês, Orquídea Lopes lançou um livro intitulado “Sida: os media são deuses de duas cabeças”, que resultou de um trabalho de investigação para uma tese de doutoramento apresentada em Salamanca e publicada em 2004. Tendo recolhido informações de adolescentes entre os 15 e os 18 anos em 15 distritos de Portugal, descobriu que muitos deles ainda acham que é só problema de "homossexuais e drogados" outros acreditam que a sida não existe, só porque não conhecem ninguém que tenha a doença, outros confundem o HIV com a sida e outros ainda – pasme-se – apontaram a pílula como uma das formas de prevenir a infecção!
E tendo divulgado o seu estudo junto das instituições “competentes” para lidar com o problema, o resultado foi este:“Os resultados das 180 mil respostas obtidas em todo o país e durante cinco anos foram esquecidos numa gaveta.”, afirmou ao jornal EDUCARE.PT.
E nas escolas? O que tem sido feito, além de iniciativas pontuais e sem grande continuidade, para informar correctamente os jovens e levá-los a um comportamento defensivo em relação à sida e outras DSTs?
Quanto às iniciativas do Ministério da Educação, sabe-se que foi criado, através do Despacho nº 19 737/2005, um Grupo de Trabalho para a Educação Sexual, de cuja actividade, desde 15 de Junho até 31 de Outubro do ano passado, resultou um Relatório Preliminar com um conjunto de 10 propostas que integram a Educação Sexual numa “dinâmica curricular de Promoção e Educação para a Saúde”, de carácter obrigatório entre o 1º e o 3º ciclos (para o Secundário o assunto resolve-se com a criação de um Gabinete de Atendimento), mas o seu ensino deve ser ministrado nas áreas curriculares não disciplinares, como “área de projecto”, “estudo acompanhado”, “formação cívica” e “opção escola”. O mesmo será dizer que, com tantas hipóteses de projectos a explorar, o da educação para a saúde vai ser apenas mais um – o que deixa adivinhar a superficialidade com que este assunto vai ser tratado nos próximos tempos. O mais caricato desta proposta é “o recurso a jovens mais velhos para intervenções na área da Educação para a Saúde, recrutados a partir de escolas superiores em áreas relevantes [...] com formação adequada” – o que se torna desde logo inexequível para as escolas de áreas não servidas por universidades e dificilmente conciliável com as obrigações académicas da maior parte dos estudantes, ficando essa proposta a depender de alguém que tenha um/a irmão/irmã mais velho/a simpático que não se importe de ir falar com os “putos” uma vez por semana...
Assim não, meus senhores, assim não vamos lá!

sábado, maio 20, 2006

Azul XIX




Foto: Abbas - Magnum Photos

sexta-feira, maio 19, 2006

Finalmente, uma atitude inteligente!

De novo a questão do projecto de Patrick Monteiro de Barros para construção de uma central nuclear em Portugal. Desta vez esbarrou com a oposição frontal da Associação de Municípios do Douro.
A notícia veio no Público. Os meus aplausos aos autarcas!


Nordeste Transmontano rejeita proposta de construção de central nuclear
18.05.2006 - 17h50 Lusa



As quatro câmaras municipais ribeirinhas do Nordeste Transmontano, que integram o Douro Internacional, rejeitam unanimemente a possibilidade de instalação de uma central nuclear no seu território, afirmaram à agência Lusa os autarcas da região.

Os autarcas de Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro, Mogadouro e Figueira de Castelo de Rodrigo reagem, assim, a um possível contacto do empresário Patrick Monteiro de Barros sobre a disponibilidade dos concelhos para neles ser estudada a construção de uma central nuclear.

Os edis admitem "recorrer, se necessário, a todas as formas de luta" contra um projecto que consideram "impensável" numa região que quer fazer do turismo e ambiente o seu futuro.

Representantes de Patrick Monteiro de Barros contactaram já a Câmara de Mogadouro para avaliar a disponibilidade para a instalação de uma central nuclear no concelho, confirmou o presidente da autarquia, Moraes Machado. Este terá sido, até agora, o único contacto feito com as câmaras da região.

Moraes Machado afirma que manifestou "indisponibilidade absoluta" para um projecto daquela natureza numa área protegida como o Parque Natural do Douro Internacional. "O município manifestou a indisponibilidade absoluta para aceder a uma situação destas", garantiu o autarca, acrescentando que vai propor em reunião camarária o "repúdio absoluto à implementação de tudo o que seja nuclear nesta zona".

O presidente da Câmara de Freixo de Espada à Cinta, José Santos, recusa-se mesmo a discutir a hipótese de construção de uma central. "Se for contactado para falar do nuclear, não recebo ninguém. Não quero sequer discutir o assunto", assegurou.

José Santos disse ter perguntado ao primeiro-ministro, José Sócrates, durante o "Governo Presente" em Bragança, no final de Abril, se o nuclear era uma opção do Executivo, ao que este lhe terá sido respondido que "não iria haver nuclear nem no Distrito de Bragança, nem no país". "Há qualquer coisa que não joga", considerou o autarca, reforçando o facto de aquela zona, além de área protegida, fazer parte também da reserva ecológica nacional, rede natura e região demarcada do Douro.

O presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo, António Edmundo, entende que acolher um projecto destes na área protegida "era pôr em causa todo o trabalho que tem sido desenvolvido em termos ambientais e turismo" e recorda que, "por ano, há 300 mil turistas a viajarem no Douro".

António Edmundo não acredita nos argumentos dos defensores da energia nuclear, nomeadamente o de que uma central pode ser um pólo de desenvolvimento para o ensino superior, na área da engenharia nuclear, devido ao número reduzido de especialista necessários para o funcionamento da central.

O autarca defende que, "mesmo que o país necessitasse de forma dramática de aumentar a produção de energia, existem outras alternativas para explorar, como a eólica, biomassa [resíduos florestais], solar e hídrica, assim como a construção de novas barragens".

Também o autarca de Miranda do Douro, Manuel Rodrigo, entende que "só o simples facto de se falar na possibilidade de uma central nuclear, afasta investidores na área do turismo, a principal aposta da região", o que considera "gravíssimo".

As consequências de um projecto desta natureza para os produtos locais de excelência, como o vinho, constituem também uma preocupação para o presidente da Câmara de Torre de Moncorvo, Aires Ferreira, principal defensor da barragem do Baixo Sabor, na mesma região.

O autarca diz que não entende como é que há anos a barragem esbarra em entraves ambientais e queixas dos ambientalista e surge agora esta ideia para uma central nuclear.

Um equipamento deste género necessita de estar próximo de um rio com uma bacia considerável para arrefecimento dos reactores, que provoca um aumento considerável na temperatura da água, que, segundo o autarca de Moncorvo, ronda "os dez graus", o que afectaria todo o ecossistema do Douro.

A Associação de Municípios do Douro Superior, da qual fazem parte os concelhos de Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa, Freixo de Espada à Cinta e Mogadouro, vai discutir o assunto, na próxima terça-feira.

http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1257629

quinta-feira, maio 18, 2006

Fantástico!

O que me surpreende, no modo como a administração Bush defende as suas “causas”, não são os interesses meramente económicos que a movem – a isso já vamos estando habituados – mas o total descaramento com que, aparentando defender os Direitos Humanos, se coloca à margem de qualquer compromisso com estes, enquanto exige aos governos de outros países o seu rigoroso cumprimento.

Vejamos o caso tão debatido dos prisioneiros de Guantanamo.

No número 58 do “Courrier Internacional”, de 12 a 18 de Maio de 2006, um artigo surpreendente dá-nos conta da cândida intenção de Washington de “reduzir o número de prisioneiros que continuam retidos na base cubana”, transferindo os reclusos para os países de origem. Essa intenção atestaria a boa vontade dos EUA em resgatar a sua imagem internacional, depois dos relatórios da ONU e da Amnistia Internacional que denunciam as arbitrariedades e tortura infringidas aos prisioneiros, à revelia da Convenção de Genebra e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atestaria essa boa vontade, se não se ficasse apenas pela intenção! Ora, no mesmo artigo, pode ler-se: “As tentativas do Governo Bush para enviar vários alegados terroristas que estão detidos em Guantánamo para os seus países de origem esbarram com o receio de que os prisioneiros sejam vítimas de tratamentos desumanos por parte dos governos desses países.” Não é admirável? Como se não bastasse, o capitão de corveta Jeffrey Gordon, porta-voz do Ministério da Defesa, alega que o Pentágono não pretende libertar nenhum detido no futuro imediato, com o fundamento de que essas tentativas de libertação “se estão a revelar um processo complexo, longo e difícil”, porque muitos desses prisioneiros, considerados perigosos, são oriundos de países que não respeitam os direitos humanos e cujos sistemas judiciais são muito falíveis.
Ora, conforme tem sido divulgado à exaustão pela Amnistia Internacional, pela Cruz Vermelha Internacional e pela ONU, os cerca de 500 prisioneiros encarcerados em Guantanamo desde 2002 têm sido sujeitos às mais variadas formas de coacção psicológica e tortura física, com o objectivo de deles se extrairem informações. Sendo esses prisioneiros maioritariamente muçulmanos, uma das técnicas tem sido o envolvimento de mulheres nos interrogatórios, que se exibem e espalham sobre eles tinta vermelha simulando sangue menstrual, segundo relata Erik Saar, ex-sargento do exército e tradutor de árabe que trabalhou para o exército dos EUA, num livro publicado pela Penguin Press e divulgado em http://www.rwor.org.

Um documento da Amnistia Internacional, intitulado “USA – Guantánamo: Lives torn apart – The impact of indefinite detention on detainees and their families” revela numerosas tentativas de suicídio entre os prisioneiros e greves de fome como forma de protesto pelo tratamento a que são sujeitos. Alguns advogados dos detidos contam como estes, em greve de fome, foram forçados a alimentar-se com uma sonda gástrica metida pelo nariz à força e sem anestesia. Shaker Aamer, um dos detidos, desabafa: “I am dying here every day, mentally and physically.” A presunção de envolvimento dos prisioneiros nos ataques de 11 de Setembro de 2001 é a ideia-base que orienta os interrogatórios. Logo, os interrogadores só se dão por satisfeitos quando conseguem obter algo que se pareça com uma confissão de envolvimento ou informações que os ajudem a prender e condenar alguém, mesmo se obtidas à força de tortura. Alguns enlouquecem, como foi o caso de Muhammad Saad Iqbal al-Madni, preso na Indonesia em 12 de Janeiro de 2002, transferido para o Egipto, onde “desapareceu” por algum tempo, para reaparecer em Guantanamo em 2004. Rustan Akhmiarov, um outro detido, declarou à Amnistia Internacional que Muhammad Saad estivera numa cela subterrânea no Egipto, onde foi torturado até confessar que tinha trabalhado com Ossama bin Laden. Neste interrogarório, feito por agentes egípcios e americanos, terá sido vendado, submetido a choques eléctricos, espancado e suspenso no ar.

Há pouco tempo, a BBC divulgou um documentário no qual um grupo de soldados voluntários se prestou a simular o ambiente do campo de detenção de Guantanamo, durante uma semana. Mesmo sabendo que tudo não passava de simulação, e por um curto período de tempo, só três voluntários conseguiram chegar ao final do exercício, tendo os outros desistido por manifesta incapacidade psicológica para prosseguir.

Com tudo isto, será possível acreditar nas boas intenções que subjazem à exigência, por parte do Departamento de Estado dos EUA, de que "qualquer acordo de transferência" seja "acompanhado da garantia de que os prisioneiros não seriam torturados quando chegassem ao seu país e seriam tratados segundo o direito humanitário internacional"? (Courrier Internacional) O Departamento de Estado fundamenta estas exigências num relatório segundo o qual a Arábia Saudita, o Iémen e o Afeganistão (por exemplo) não oferecem essas garantias – o que não me espanta nada – para continuar a adiar a transferência dos prisioneiros ad aeternum.
E em relação a Guantanamo?! Que garantias dão os EUA de que tratam os prisioneiros “segundo o direito humanitário internacional”?! É mesmo preciso muito descaramento!

quarta-feira, maio 03, 2006

Dá-se o benefício da dúvida?

Ministério da Educação vai criar conselho coordenador para as escolas públicas
02.05.2006 - 18h41 Lusa

A ministra da Educação anunciou hoje a criação de um conselho nacional coordenador de todos os conselhos executivos dos agrupamentos escolares do país, numa estrutura que pretende reforçar o papel das escolas na definição das políticas educativas.
A criação deste órgão - que deverá começar a funcionar até ao final do ano - foi anunciada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues numa reunião com os presidentes de conselhos executivos de todos os agrupamentos de escolas da região norte, que decorreu hoje no Parque de Exposições de Paços de Ferreira.

"O conselho coordenador vai ser criado ao longo deste ano para que as escolas possam ser constituídas parceiras na definição das políticas educativas e não apenas parceiras na sua execução", disse a ministra.
(in http://www.publico.pt)


Pelo menos nas intenções, esta decisão da Ministra de fazer os professores participar na definição de orientações educativas, e não funcionarem apenas como executores de ideias peregrinas de quem não dá aulas, pode ser o primeiro passo para a mudança. Com efeito, os professores sempre reclamaram (para surdos) que muitas orientações ministeriais dos últimos anos estão desfasadas da realidade e são, em muitos casos, inaplicáveis no contexto que temos. Espera-se, agora, que esse gabinete não seja apenas para dar mais "tachos" a burocratas e sirva o fim a que se destina. Já era a altura de reconhecer que o descalabro do Ensino, em Portugal, se deve - também - às más práticas legislativas que tem havido e ao autismo de quem tem coordenado a implementação dos programas e não apenas fruto de uma eventual má preparação dos professores, embora quanto a esta última também tenha havido muito erro, resultante de teorias românticas e construtivistas já obsoletas e mal compreendidas.
Chega de experiências pontuais e desgarradas!
O que faz falta é uma política coerente e, sobretudo, perceber que "ensino centrado no aluno" não significa aceitar qualquer coisa que ele faça, mas sim tornar acessíveis conteúdos difíceis, ajustando a linguagem às suas capacidades de compreensão. E, sobretudo, ser exigente com a aquisição de competências, para que os alunos não cheguem ao fim da escolaridade obrigatória sem saber distinguir , por exemplo, um verbo de um adjectivo.

A ver vamos, se vale a pena acreditar nesta medida do Ministério da Educação. Daqui a um anito ver-se-há quem foi nomeado para dirigir o conselho coordenador e o que faz. Para já...

terça-feira, maio 02, 2006

Ay que ganas!

Em 30 de Abril de 2006 Espanha resolveu encerrar a central nuclear José Cabrera, situada próximo de Guadalajara, dois anos antes do previsto. Apesar das garantias da empresa proprietária, de que a central estava em perfeitas condições de cumprir o seu ciclo de vida de 40 anos, esta feliz decisão do governo espanhol, tomada na sequência de vários apelos de organizações ambientalistas, merece bem ser considerada um marco a registar. Em sua substituição, surgirá uma central eléctrica clássica, com capacidade de produzir energia com potência cinco vezes superior. Este caso, que tem todos os requisitos para se tornar paradigmático, mostra bem que a economia só “perde” se optar por alternativas menos perigosas se os empresários quiserem e que a opção pelo nuclear está bem longe de ser a única fonte “barata” de energia. No Japão, por exemplo, um dos países com mais centrais nucleares por quilómetro quadrado (em 1995 tinha 50 reactores a funcionar e 4 em construção), a corrida à indústria nuclear fez cair por terra o projecto do “Reactor Térmico Avançado”, em virtude do excesso de dívidas nas empresas de electricidade pelos investimentos anteriores. Além disso, só a política de ocultamento de informação sobre danos com acidentes, que tem sido seguida um pouco por todo o lado, pode dar a falsa sensação de segurança quanto ao funcionamento dessas centrais, que não estão imunes a erros humanos. (Ver rodapé) Ainda no Japão, em Dezembro de 1995, à semelhança do ocorrido em Chernobyl, a tentativa de minorar as consequências do acidente no reactor de Moju, fez com que ao local acorressem bombeiros sem saberem que precauções tomar, pois não foram informados de que havia libertação de radioactividade. Alegam-se “razões de segurança”, para essa falta de informação, esquecendo que se poderiam minorar os danos humanos se as populações das áreas afectadas fossem avisadas a tempo de se protegerem, bem como os bombeiros e restante pessoal chamado a intervir. Mas se olharmos para a já preocupante lista de acidentes em centrais nucleares, com consequências graves e, nalguns casos, catastróficas, desde a década de 50 até hoje, é caso para nos perguntarmos: segurança para quem? Mesmo que não aconteçam acidentes, o Urânio dos reactores nucleares gasta-se e em três anos desaparece em cerca de 75%, produzindo derivados da fissão, tais como o Estrôncio-90 e o Césio-137, o Plutónio e o Neptúnio, considerados “lixo atómico” e guardados durante longos anos em contentores selados, ou aproveitados para a indústria de armamento. Outros resíduos são simplesmente lançados na atmosfera e nos rios.
Com tudo isto, não se percebe onde o empresário português Patrick Monteiro de Barros foi buscar a ideia de que “O nuclear produz energia mais barata, mais segura e mais limpa”, como afirmou, em Fevereiro deste ano. Mas talvez se faça alguma luz, se compararmos este argumento com a declaração de um ex-Ministro da indústria, Walter Rosa, em 1977, a propósito do projecto de uma central nuclear a ser construída em Ferrel - Peniche: «O acidente máximo, cujas probabilidades são extremamente remotas, que seria por exemplo a fusão do núcleo de um reactor, pode aumentar cinco miliramos, salvo erro, a dose recebida pelos operadores da central, que de maneira nenhuma é mortal nem nada que se pareça. Portanto, as condições de garantia das centrais nucleares são extraordinárias. Ver a televisão traz um aumento de radiação numa sala idêntico àquele que tem uma central nuclear na sua vizinhança. E todavia não tem medo da televisão, pois não?». Em 1977 ainda não tinha acontecido o desastre de Chernobyl e Portugal acabava de sair de um isolamento de 40 anos, no qual a falta de informação sobre o que se passara no estrangeiro permitia essa ilusão optimista. Mas agora já não se justificam esses entusiasmos, nem a ignorância em que se fundamentam, a não ser que, desde então, Patrick Monteiro tenha estado emigrado em Marte, sem jornais, televisão ou telemóvel...
Este empresário de discurso surrealista está tão empenhado em desenvolver um projecto de uma central nuclear neste nosso rectângulo à beira-mar plantado, que o defende com argumentos tão inacreditáveis como o de que a construção de uma central permitiria a Portugal respeitar o Protocolo de Kyoto, ignorando, ou fingindo ignorar, que só essa construção, que levaria uma década a ser concluída, libertaria para a atmosfera grandes quantidades de CO2. Outro argumento aberrante é o de que “o grau de desenvolvimento social de um país mede-se no consumo de energia por habitante.” E eu a pensar que eram o civismo e o respeito pelo ambiente os grandes indicadores de civilização e progresso!
Quanto às reacções da ordem dos Engenheiros e do Governo português, ficam a milhas da atitude sensata do Governo espanhol: nem apoiam, nem deixam de apoiar. José Sócrates não se compromete, mas mostra-se aberto à discussão. Não sabemos o que isso significa...Em declarações à TSF, em 22 de Fevereiro, por sua vez, Fernando Santo, bastonário da Ordem dos Engenheiros, além de criticar a oposição dos ambientalistas, afirmou “A Ordem não quer com isto tomar uma posição a favor ou contra, não tem que o fazer, tem de dar o contributo sobre este tema.”. Ficamos a imaginar qual será o contributo...
Um dia destes, somos todos surpreendidos com o início da contrução da central nuclear – talvez ali para os lados de Ferrel, restaurando o antigo projecto que um levantamento popular fez abortar. Mas nessa altura estávamos ainda no calor da revolução dos cravos... A provar que, desta vez, o panorama poderá ser diferente, há o silêncio da opinião pública e a falta de informação concreta sobre o conteúdo do debate na ordem dos Engenheiros. A determinação de P. Monteiro indicia que a ideia continua a mover-se. E como quem nos governa parece preferir meter a cabeça na areia, em vez de tomar posição, foi por isso que eu, neste Domingo, tive vontade de ser espanhola. Ay que ganas!...

________________________________________________

1957 – Em Liverpool, escapa radioactividade de uma central, mas só em 1983 o governo britânico admite que 39 pessoas morreram de cancro em virtude do acidente.
- No mesmo ano, liberta-se radioactividade da central russa de Tcheliabinski, contaminando 270 mil pessoas. O superaquecimento de um tanque para resíduos nucleares causa uma explosão que liberta compostos radioactivos numa área de 23 mil km2, riscando do mapa mais de 30 pequenas comunidades numa área de 1.200km2.
1961 – Três operadores de um reactor experimental nos EUA morrem devido à radiação.
1966 – Derrete parcialmente o reactor de uma central em Detroit.
1969 – Na Suíça, o mau funcionamento do refrigerante usado num reactor experimental obriga a lacrar a caverna onde este se encontrava.
1975 – Um incêndio numa central do Alabama faz baixar, perigosamente, o nível de água do reactor.
1979 – Na central americana de Three Mile Island, EUA, derrete parte do núcleo do reactor.
1981 – Oito trabalhadores americanos são contaminados quando cerca de 100 mil galões de refrigerante radioactivo vazam de um prédio de armazenamento do produto.
1986 – Um cilindro de material nuclear queima, após ter sido inadvertidamente aquecido numa fábrica de Oklahoma, EUA. Em Abril, ocorre o maior acidente nuclear da história, em Chernobyl, com a explosão de um reactor, provocando entre 7 a 10 mil mortes a longo prazo, que se somam às 31 registadas na altura, e obrigando à evacuação de 135 mil pessoas.
1987 – A violação de uma cápsula de césio-137 por sucateiros, no Brasil, mata 4 pessoas e contamina 249.
1992 – Um relatório russo informa que 8.015 pessoas já haviam morrido na sequência dos efeitos do acidente de 1957 em Tcheliabinski.
1996 – Um vazamento de material radioactivo na Argentina contamina o sistema de água potável da central.
1997 – Uma explosão na central de Moju, Japão, afecta directamente 57 pessoas e obriga à evacuação de 320 mil num raio de 10 Km, por 24 horas.
- No mesmo ano, uma explosão num depósito da Unidade de Processamento de Plutónio da Reserva Nuclear Hanford, EUA, liberta radioactividade para a atmosfera.

segunda-feira, maio 01, 2006

Azul VIII




Foto: Greenpeace

Aos trabalhadores anónimos de todos os tempos

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO

Bertold Brecht

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casa
Da Lima dourada moravam os seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China
Para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados a gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou, Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos.
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas...


(trad. Arnaldo Saraiva e Sylvie Deswarte, in:Mário Viegas - O Operário em Construção, ed. Público.


Hoje é o nosso dia

Help Darfur