quinta-feira, maio 18, 2006

Fantástico!

O que me surpreende, no modo como a administração Bush defende as suas “causas”, não são os interesses meramente económicos que a movem – a isso já vamos estando habituados – mas o total descaramento com que, aparentando defender os Direitos Humanos, se coloca à margem de qualquer compromisso com estes, enquanto exige aos governos de outros países o seu rigoroso cumprimento.

Vejamos o caso tão debatido dos prisioneiros de Guantanamo.

No número 58 do “Courrier Internacional”, de 12 a 18 de Maio de 2006, um artigo surpreendente dá-nos conta da cândida intenção de Washington de “reduzir o número de prisioneiros que continuam retidos na base cubana”, transferindo os reclusos para os países de origem. Essa intenção atestaria a boa vontade dos EUA em resgatar a sua imagem internacional, depois dos relatórios da ONU e da Amnistia Internacional que denunciam as arbitrariedades e tortura infringidas aos prisioneiros, à revelia da Convenção de Genebra e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atestaria essa boa vontade, se não se ficasse apenas pela intenção! Ora, no mesmo artigo, pode ler-se: “As tentativas do Governo Bush para enviar vários alegados terroristas que estão detidos em Guantánamo para os seus países de origem esbarram com o receio de que os prisioneiros sejam vítimas de tratamentos desumanos por parte dos governos desses países.” Não é admirável? Como se não bastasse, o capitão de corveta Jeffrey Gordon, porta-voz do Ministério da Defesa, alega que o Pentágono não pretende libertar nenhum detido no futuro imediato, com o fundamento de que essas tentativas de libertação “se estão a revelar um processo complexo, longo e difícil”, porque muitos desses prisioneiros, considerados perigosos, são oriundos de países que não respeitam os direitos humanos e cujos sistemas judiciais são muito falíveis.
Ora, conforme tem sido divulgado à exaustão pela Amnistia Internacional, pela Cruz Vermelha Internacional e pela ONU, os cerca de 500 prisioneiros encarcerados em Guantanamo desde 2002 têm sido sujeitos às mais variadas formas de coacção psicológica e tortura física, com o objectivo de deles se extrairem informações. Sendo esses prisioneiros maioritariamente muçulmanos, uma das técnicas tem sido o envolvimento de mulheres nos interrogatórios, que se exibem e espalham sobre eles tinta vermelha simulando sangue menstrual, segundo relata Erik Saar, ex-sargento do exército e tradutor de árabe que trabalhou para o exército dos EUA, num livro publicado pela Penguin Press e divulgado em http://www.rwor.org.

Um documento da Amnistia Internacional, intitulado “USA – Guantánamo: Lives torn apart – The impact of indefinite detention on detainees and their families” revela numerosas tentativas de suicídio entre os prisioneiros e greves de fome como forma de protesto pelo tratamento a que são sujeitos. Alguns advogados dos detidos contam como estes, em greve de fome, foram forçados a alimentar-se com uma sonda gástrica metida pelo nariz à força e sem anestesia. Shaker Aamer, um dos detidos, desabafa: “I am dying here every day, mentally and physically.” A presunção de envolvimento dos prisioneiros nos ataques de 11 de Setembro de 2001 é a ideia-base que orienta os interrogatórios. Logo, os interrogadores só se dão por satisfeitos quando conseguem obter algo que se pareça com uma confissão de envolvimento ou informações que os ajudem a prender e condenar alguém, mesmo se obtidas à força de tortura. Alguns enlouquecem, como foi o caso de Muhammad Saad Iqbal al-Madni, preso na Indonesia em 12 de Janeiro de 2002, transferido para o Egipto, onde “desapareceu” por algum tempo, para reaparecer em Guantanamo em 2004. Rustan Akhmiarov, um outro detido, declarou à Amnistia Internacional que Muhammad Saad estivera numa cela subterrânea no Egipto, onde foi torturado até confessar que tinha trabalhado com Ossama bin Laden. Neste interrogarório, feito por agentes egípcios e americanos, terá sido vendado, submetido a choques eléctricos, espancado e suspenso no ar.

Há pouco tempo, a BBC divulgou um documentário no qual um grupo de soldados voluntários se prestou a simular o ambiente do campo de detenção de Guantanamo, durante uma semana. Mesmo sabendo que tudo não passava de simulação, e por um curto período de tempo, só três voluntários conseguiram chegar ao final do exercício, tendo os outros desistido por manifesta incapacidade psicológica para prosseguir.

Com tudo isto, será possível acreditar nas boas intenções que subjazem à exigência, por parte do Departamento de Estado dos EUA, de que "qualquer acordo de transferência" seja "acompanhado da garantia de que os prisioneiros não seriam torturados quando chegassem ao seu país e seriam tratados segundo o direito humanitário internacional"? (Courrier Internacional) O Departamento de Estado fundamenta estas exigências num relatório segundo o qual a Arábia Saudita, o Iémen e o Afeganistão (por exemplo) não oferecem essas garantias – o que não me espanta nada – para continuar a adiar a transferência dos prisioneiros ad aeternum.
E em relação a Guantanamo?! Que garantias dão os EUA de que tratam os prisioneiros “segundo o direito humanitário internacional”?! É mesmo preciso muito descaramento!

1 Comments:

At 6:38 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Estou contigo na denúncia de Guantánamo! Tudo o que se tem que esonder, à margem das regras é suspeito. O governo americano vai fazer fora o que não pode fazer em casa.

 

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