quarta-feira, maio 31, 2006

Assim não vamos lá...

Mais um número negro para Portugal. Os 32 mil casos de SIDA, divulgados pelo Relatório Global 2006 da ONU, mais 4 mil casos do que os apontados pelo Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis (CVEDT) do Instituto nacional de Saúde até Dezembro de 2005, revelam que, ao contrário do que seria de esperar, não só o número de doentes sida está a aumentar, no nosso país, como também se verificam problemas ao nível da sua contabilização, pois a estimativa poderá atingir os 53 mil casos, sendo essencialmente jovens com idade superior a 15 anos e adultos. Seria de esperar que, após a década de 80, com a proliferação de campanhas de sensibilização e de associações que desenvolvem programas específicos de combate à sida, Portugal estivesse a diminuir os casos de infecção por HIV, mas isso está muito longe de se verificar.
Muito longe vai também o tempo em que as infecções por HIV estavam mais associadas a alguns grupos restritos, como os toxicodependentes e os homossexuais, ou a comportamentos de risco entre os jovens, deixando os outros com a doce ilusão de escaparem ilesos, embora por cá muito poucos se tenham dado conta disso. Um estudo do CVED indica que os casos de infecção entre os heterossexuais representaram 52,7% de todos os notificados no segundo semestre de 2005. Por sua vez, Ana Campos Reis, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, num simpósio feito em Évora, em 5 de Maio, estimou em 40% os casos de SIDA que afectam indivíduos heterossexuais com mais de 50 anos. Alguma coisa está a correr muito mal neste país relativamente à prevenção das infecções por HIV! A que se devem estes aumentos, apesar de tantas campanhas de prevenção e de informação?
Segundo Ana Campos Reis, alguns médicos, para protegerem os seus pacientes, não os notificam, sendo-lhes diagnosticado o vírus apenas quando outras patologias infecciosas não respondem aos antibióticos, verificando-se depois que a contaminação já tinha acontecido há 15 ou 20 anos. “O problema é quando um idoso surge num lar com sida tentam que ele saia, pelo que enquanto houver pessoas estigmatizadas pelo HIV há médicos que se calam e nunca teremos dados nem frontalidade para tratar a doença. Temos que mudar de mentalidade, porque se um pediatra disser que um menino está infectado com sida, esse menino também não entra na escola.” (A.C.R., in: Diário de Notícias, 6/5/06). E a táctica da avestruz – de esconder o problema em vez de o enfrentar – tem contribuído para o descalabro revelado pela ONU. Alguns médicos ocultam as informações para não estigmatizar os doentes, permitindo assim a disseminação da doença quando deviam evitá-la. Mas às vezes são eles próprios a estigmatizá-los, como num caso que conheci em que nem o sigilo nem a pessoa foram respeitados. Associada a esta manifesta incompetência da parte de alguns médicos, continuamos sem programas coerentes de Educação Sexual nas escolas que, entre outros assuntos, informem correctamente as crianças, adolescentes e jovens sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis.
No dia 15 deste mês, Orquídea Lopes lançou um livro intitulado “Sida: os media são deuses de duas cabeças”, que resultou de um trabalho de investigação para uma tese de doutoramento apresentada em Salamanca e publicada em 2004. Tendo recolhido informações de adolescentes entre os 15 e os 18 anos em 15 distritos de Portugal, descobriu que muitos deles ainda acham que é só problema de "homossexuais e drogados" outros acreditam que a sida não existe, só porque não conhecem ninguém que tenha a doença, outros confundem o HIV com a sida e outros ainda – pasme-se – apontaram a pílula como uma das formas de prevenir a infecção!
E tendo divulgado o seu estudo junto das instituições “competentes” para lidar com o problema, o resultado foi este:“Os resultados das 180 mil respostas obtidas em todo o país e durante cinco anos foram esquecidos numa gaveta.”, afirmou ao jornal EDUCARE.PT.
E nas escolas? O que tem sido feito, além de iniciativas pontuais e sem grande continuidade, para informar correctamente os jovens e levá-los a um comportamento defensivo em relação à sida e outras DSTs?
Quanto às iniciativas do Ministério da Educação, sabe-se que foi criado, através do Despacho nº 19 737/2005, um Grupo de Trabalho para a Educação Sexual, de cuja actividade, desde 15 de Junho até 31 de Outubro do ano passado, resultou um Relatório Preliminar com um conjunto de 10 propostas que integram a Educação Sexual numa “dinâmica curricular de Promoção e Educação para a Saúde”, de carácter obrigatório entre o 1º e o 3º ciclos (para o Secundário o assunto resolve-se com a criação de um Gabinete de Atendimento), mas o seu ensino deve ser ministrado nas áreas curriculares não disciplinares, como “área de projecto”, “estudo acompanhado”, “formação cívica” e “opção escola”. O mesmo será dizer que, com tantas hipóteses de projectos a explorar, o da educação para a saúde vai ser apenas mais um – o que deixa adivinhar a superficialidade com que este assunto vai ser tratado nos próximos tempos. O mais caricato desta proposta é “o recurso a jovens mais velhos para intervenções na área da Educação para a Saúde, recrutados a partir de escolas superiores em áreas relevantes [...] com formação adequada” – o que se torna desde logo inexequível para as escolas de áreas não servidas por universidades e dificilmente conciliável com as obrigações académicas da maior parte dos estudantes, ficando essa proposta a depender de alguém que tenha um/a irmão/irmã mais velho/a simpático que não se importe de ir falar com os “putos” uma vez por semana...
Assim não, meus senhores, assim não vamos lá!

2 Comments:

At 8:09 da tarde, Blogger nnannarella said...

Panorama assustador.
E não é só de doenças sexualmente transmissíveis que falta discutir na escola.
No que diz respeito às coisas do sexo, "esta nossa escola" está tão inibida, repressiva e "orientadora" quanto a de antes do 25 de Abril.
Ninguém fala de sexo.
Vá lá que quando dão Os Maias, os miúdos aprendem o que significa "incesto"...

 
At 11:31 da tarde, Blogger lena b said...

nnannarella:

Estou agora a aproveitar a "transversalidade curricular" ;) a propósito do "Memorial do Convento" e das manobras de D. João V para produzir um herdeiro numa cama cheia de percevejos...
Se não fossem Baltasar e Blimunda, umas páginas mais à frente, a repôr alguma normalidade e naturalidade na "função", os alunos estavam feitos!
Além dos textos (que só servem de pretexto para se abordarem certas questões relacionadas com a sexualidade), costumo dar-lhes endereços on-line para umas páginas da Universidade do Minho, que estão muito bem feitas e permitem que eles coloquem questões de forma anónima. Mais do que isso, não é possível, dada a extensão do programa.
E nunca mais se cria uma disciplina específica! Poderia ser a tal Educação Para a Saúde, mas que não se limitasse a um mero projecto onde eles recortam umas revistas e colocam umas legendas, com uma introduçãozita - e depois é logo esquecido quando vem o próximo tema... E a isso, chama a Ministra "dinâmica programática"...

 

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