domingo, outubro 29, 2006

O Atestado Médico

José Ricardo Costa, professor de filosofia, escreve para "O Torrejano". É dele o texto seguinte, que recebi por E-mail, onde traça um retrato bastante lúcido sobre a idiotice que transborda de certas leis à portuguesa e da sua "aplicação" prática:


"Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e
vai ter de fazer uma vigilância.

Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica
preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o
quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua
imaculada camisa.

Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.

Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é
complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como
justificá-la?

Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto de
ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir
para uma sala do exame com a camisa vomitada, abandalhada e
malcheirosa, é um atestado médico.

Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa
aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só
uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao
médico. E, a partir este momento, a situação deixa de ser divertida
para passar a ser hilariante.

Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o
sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e
a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se
um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da
psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose
colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.

O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está
doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O
director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da
Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda
a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado
médico, também sabe que o professor não está doente.

Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não
toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que
está doente.

Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país
doente.

Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional,
útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo
que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a
mentira é verdade.

Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma
mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já
Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao
teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados.
Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho
a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o
ranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se
confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção
fictícia, provavelmente mesmo desde D. Afonso Henriques, que Deus me
perdoe. A começar pela política. Os nossos políticos são
descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos
habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade,
mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há
boas razões para falar verdade. Se eu, num ambiente formal, disser a
uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica
ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a
nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu
vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante
ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei. Nós,
portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que
assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos
(não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais
felicíssimos e com vidas de sonho.

Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles
divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo
disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.

Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos
ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e
engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas
vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois
ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias,
mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar,
eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas
horríveis e fábricas desactivadas.

Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente
perante o mundo.

Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por
ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal
que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio."

segunda-feira, outubro 16, 2006

A inconveniência da verdade




Se Al Gore tivesse sido autorizado a assumir a presidência dos EUA (hipótese afastada de modo muito pouco democrático) estaríamos agora num mundo diferente?


Apetecia-me pensar que sim, mas parece-me que, tendo em conta os lobbies instalados, como presidente, a sua liberdade para agir em defesa do ambiente estaria muito reduzida, mesmo tendo em conta o regime presidencialista nos EUA...


"Uma Verdade Inconveniente", documentário de 90 minutos realizado por Davis Guggenheim e tendo como fio condutor as conferências de Al Gore, é um filme imperdível.

Incómodo, como deve ser qualquer filme que nos mostre, à exaustão, que o desenvolvimento tecnológico conseguido pelo ser humano não foi acompanhado, nem de longe, por um desenvolvimento do ser, mas apenas do ter.

Tudo o que fizémos, nestes milhões de anos de existência, pouco mais foi do que aplicar a inteligência na criação de armas cada vez mais mortíferas, indústrias cada vez mais poluente, estratégias de consumo cada vez mais vorazes...

Quanto à racionalidade, deixámo-la ao nível de qualquer hominídeo, entretida na reprodução (embora sofisticada) dos rituais mais básicos de propagação da espécie, de auto-satisfação, de conquista de território, de predação, crentes numa espécie qualquer de salvação eterna, apesar de todos os disparates que fizermos, porque alguém nos disse que uma entidade metafísica, ao criar o mundo em sete dias, nos deu a natureza para a usarmos em nosso benefício...

Só assim se explica que, apesar dos inúmeros estudos e alertas, ainda haja quem coloque a economia e a defesa ambiental em pratos opostos da balança...

Só assim se explica que, apesar da ameaça inequívoca do aquecimento global, ainda haja quem pense que isso não é problema seu...

Só assim se explica que, apesar de haver (algumas) pessoas inteligentes encarregadas de governar, os problemas ambientais passem para segundo ou terceiro plano de cada vez que sobe o preço do barril de crude...

Uma das questões mais pertinentes que o filme coloca tem que ver, exactamente, com a incomensurável capacidade humana para ignorar o óbvio, quando a sua conta bancária - e o suposto conforto que esta proporciona - assim o exige. Com efeito, como é que se pode esperar que alguém compreenda a relação entre consumo desenfreado e problemas ambientais, se o seu ordenado mensal depende, precisamente, da demonstração da sua incapacidade de compreensão?

Mas pode esse conforto durar até quando, se o planeta, à conta do aquecimento global, se vai desertificando, se a atmosfera vai ficando cada vez mais irrespirável, se as catástrofes "naturais" se sucedem a um ritmo cada vez mais acelerado e se o degelo das calotes polares já começou?

E assim vamos caminhando como os cegos de Brueghel, guiados por outros cegos, rumo ao precipício...



terça-feira, outubro 10, 2006

Efeitos colaterais...

Uma coisa esta ministra da educação está a conseguir, com uma competência inigualável: pôr os conselhos executivos das escolas em fúria, a debitar ordens e memorandos, cada um pior do que o outro.

E eu que tinha pensado deixar de fumar...

...até ter sido "brindada" com uma falta para justificar, com o mesmo tipo de impressos que se usam para os artigos, só porque estive em visita de estudo - toda a manhã - com a turma a que era suposto dar a aula e, tendo chegado à escola à hora da mesma, tive de deixar os alunos irem almoçar (e comer qualquer coisita também, para não cair para o lado)...

Agora, com a histeria do novo estatuto da carreira docente, há conselhos executivos a dar ordens destas aos funcionários, que, claro está, as cumprem zelosamente: o professor não está na sala? Marque-se falta! Que importa se a visita de estudo foi autorizada pelos órgãos competentes da escola e pelos encarregados de educação, se foram dadas todas as informações previamente e feitas as listas dos professores participantes? É falta! Que importa se o professor até esteve com os alunos mais do que o tempo regulamentar da aula, a desenvolver uma actividade de inegável interesse pedagógico? Não estava na sala? Tem falta!

Mesmo que não seja por conta do período de férias (era só o que faltava!), quem nos garante que essa faltinha em serviço não vai parar ao processo do professor para posterior avaliação e ranking estatístico?

A obrigação de justificar uma saída da escola previamente autorizada, já de si, afigura-se surreal... Ainda por cima, com um impresso de justificação de faltas, é, no mínimo, inacreditável...

Sempre gostava de saber que contributo traz essa medida para a melhoria do sistema educativo e para o desenvolvimento das actividades pedagógicas do plano anual das escolas...

Será que a ministra se prepara para obrigar os professores a realizar visitas de estudo exclusivamente nos fins-de-semana? Será que estamos a assistir a uma "pandemia" de furor legislativo ou de histeria deliberativa?

À conta disso, já fumei mais de dez cigarros a pesquisar na legislação existente e actualmente em vigor algo que me diga que a falta foi justamente marcada (a minha e a das colegas que, como eu, acompanharam as turmas)...

E nada encontrei...

O que me leva a concluir que tal ordem de marcação de falta ou surge por antecipação do que vem por aí ou é já um efeito colateral da "bomba ministerial" que dá pelo nome de Maria de Lurdes Rodrigues...

domingo, outubro 01, 2006

Já ganhou, já ganhou!

Finalmente, George Bush tem um adversário à altura dos seus enigmáticos e hilariantes "buchismos". Trata-se, nem mais nem menos, de Luiz Inácio Lula da Silva, esse "filho de uma mulher que nasceu analfabeta", segundo declarações do próprio.

Alguns exemplos da sua já famosa colecção de gaffes (não menos embaraçosas que as de Bush), compilada pelo jornalista Carlos Laranjeira e editada em livro no Brasil (2005), apareceram, para deleite dos leitores portugueses, na revista Tabu do recentíssimo semanário Sol.

Contam-se, de entre os exemplos mais significativos, esta fantástica revelação histórica "Quando Napoleão visitou a China, disse: a China é um gigante adormecido. No dia em que acordar, o mundo vai tremer.", esta apuradíssima revelação metafísica "Quando as pessoas vêm para o hospital e morrem na mão de Janete, ficam satisfeitas mesmo que ele tenha cometido um erro [pois] Morreram nas mãos do melhor." e este inominável malabarismo diplomático de propor um brinde (com uma bebida alcoólica, pois...) à felicidade do Presidente da Síria.

Nem mesmo na geografia mais próxima Lula deixa de ser inovador, ao declarar que o Brasil, com mais de 3 mil quilómetros de fronteira com a Bolívia, "só não [faz] fronteira com o Chile, o Equador e... a Bolívia."

E que dizer desta nova definição de tsunami, como "um vendaval que deu na Ásia" para simbolizar os efeitos do governo de Henrique Cardoso sobre a economia brasileira?

Não há dúvida! Se não vencer as eleições no Brasil, desta vez, bem pode Lula emigrar para os States, que aí ganha de certeza! E ainda corre o risco de lhe pedirem bis!

Help Darfur