segunda-feira, julho 31, 2006

Belgais não vai morrer!

Desenganem-se aqueles que apressadamente vaticinaram o fim do projecto educativo fundado por Maria João Pires em 1999! As palavras desencantadas da pianista, à TSF, difundidas largamente nos telejornais, foram apenas um compreensível desabafo de quem muito se dedicou a uma causa sem paralelo no nosso país de pequeninos costumes e limitadas apetências culturais.

Fundar um projecto desta envergadura (ver em: http://www.citi.pt/belgais/index.html) exige uma generosidade do tamanho do mundo, que não se compadece com os interesses mesquinhos e vaidades beliscadas a que nos habituámos, desde os tempos da Inquisição, em que ser-se pensante era uma actividade de alto risco e agora parece ser coisa de "desocupados" ou de "lunáticos". Maria João Pires apostou nas crianças da aldeia da Mata e arredores, apostou na descentralização cultural, apostou na construção plena do ser, mesmo pondo em risco a sua saúde e bens pessoais (lembrar o litígio com uma editora, em 2005, no qual viu penhorados, inadvertidamente, os pianos). Construir do nada uma escola onde as crianças beneficiam de um projecto educativo exemplar, que potencia todas as suas capacidades, favorece a cooperação, a cidadania e o intercâmbio cultural numa zona onde, habitualmente, nada chega e se fecham escolas por falta de alunos, não será justificação suficiente para os subsídios atribuídos pelos ministérios da educação e cultura? Muita dessa verba, pelo que se pode ver no site do projecto, terá sido gasta para alojar as crianças e todos os que para ele contribuem. Mas, como sempre, tudo o que não seja futebol, neste país, está sujeito ao mais rigoroso escrutínio e desperta desconfianças se não forem apresentadas as contas dentro dos prazos, apesar de os organismos estatais não os cumprirem quando se trata de libertar verbas na prática. Se Belgais fosse um clube de futebol da primeira divisão, seria alvo da mesma exigência e desconfiança? Claro que não!

Nos comentários às notícias sobre este assunto, no "Público on-line", houve quem estabelecesse um paralelismo entre este caso de Maria João Pires e o de Fátima Felgueiras! Só uma grande dose de ignorância e má-fé pode encontrar semelhanças entre a fuga de Felgueiras e o "exílio" (que nem sequer é real) de Maria João no Brasil. Perante comentários deste calibre, ainda há quem se surpreenda quando a pianista se refere à "tortura" que foi gerir Belgais durante estes anos! Mas ainda bem que o projecto não morre. Portugal ficaria com certeza ainda mais pobre se isso acontecesse.



"A pianista portuguesa Maria João Pires garantiu que não irá abandonar o Centro para o Estudo das Artes em Belgais, em Castelo Branco, porque pode trabalhar no projecto "sem gostar de Portugal".


Numa carta endereçada aos jornalistas portugueses e enviada à agência Lusa, a pianista começa por declarar que "Belgais não fechou nem vai fechar".

Maria João Pires está no Brasil, onde, em declarações à Antena 2 na quinta-feira, confessou que o seu projecto musical em Belgais lhe causou enorme sofrimento, assumindo-se, sem especificar, como "vítima de uma verdadeira tortura".

O presidente da associação Belgais afirmou que a "tortura" evocada pela pianista decorria das funções administrativas a seu cargo e não representa um abandono do projecto.

"Belgais continua, e continua com a Maria João Pires. Não há de todo um abandono, pelo contrário, só uma alteração de funções" disse à agência Lusa o maestro César Viana.

"Em Belgais, a erva cresceu porque a equipa está de férias", explicou a artista na carta hoje divulgada, acrescentando: "Eu trabalho em Belgais regularmente e não tenciono nunca abandonar aquilo que eu própria criei".

Relembrando o trabalho de alguns dos seus colaboradores naquele centro e concertos agendados a longo prazo, a pianista adiantou que a experiência pedagógica ali realizada "continua e o Ministério da Educação tem colaborado de uma forma positiva como sempre o fez".

Reagindo a declarações de uma fonte do gabinete da ministra da Cultura, segundo as quais Belgais nunca teria justificado como gastou uma verba de 65 mil euros atribuída pelo Governo em 2003, a pianista garantiu que a tutela irá receber os justificativos em breve.

Fez uma alusão ao facto de o centro de Belgais não ter patrocinadores privados e comentou que provavelmente nunca terá, "num país como Portugal, que se comporta sem algum interesse pelas gerações futuras nem por projectos que incentivem valores morais, solidariedade, educação, respeito pelo ambiente, amizade e camaradagem".

"Ao inverso", acrescentou, Portugal preocupa-se com "sensacionalismo mentira, intriga, conflito e consumismo".

Confirmou ter comprado uma casa na Baía, onde tem "descansado de Portugal", porque ali, ao contrário de Portugal, é-lhe permitido descansar.

A pianista termina a missiva agradecendo aos jornalistas que não omitam palavras nem manipulem o que escreveu.

Nascida em 23 de Julho de 1944, em Lisboa, Maria João Pires deu o seu primeiro recital aos 5 anos mas, só em 1970, o seu talento foi reconhecido internacionalmente, quando venceu, em Bruxelas, o Concurso Internacional do Bicentenário de Beethoven.

Interpretando obras de Bach, Beethoven, Schumann, Schubert, Mozart, Brahms, Chopin viajou por todo o mundo, tornando-se uma presença regular em salas de concerto da Europa, Canadá, Japão, Israel e nos Estados Unidos.

Recebeu, em 1989, o Prémio Pessoa e, em 1999, fundou o Centro para o Estudo das Artes, em Belgais."


Agência LUSA
2006-07-29 00:00:02

quarta-feira, julho 26, 2006

E quando a morte vem do céu?

Dois milhões de crianças mortas em conflitos armados nos últimos dez anos...

Parece óbvio que a melhor forma de se proteger as crianças das guerras é obrigar os adultos a crescer e a resolver os conflitos pela via diplomática, mas isso, como todos sabemos, está muito longe de acontecer. Principalmente quando uma boa parte dos países envolvidos em conflitos não admite que também faz parte do problema e não apenas da tentativa “burocrática” de solução, através de experiências-piloto-para-ocupar-mais-uns-quadros-que-vão-ganhar-uns-dólares-valentes-a-fazer-relatórios.

Vem isto a propósito de um Comunicado de Imprensa da UNICEF, segundo o qual os Estados-Membros do Conselho de Segurança da ONU renovaram há dois dias [em 24/7/06], em Nova Iorque, um compromisso para a protecção das crianças em conflitos armados. Debatem-se agora as medidas concretas para que esse compromisso seja levado à prática, entre as quais, a elaboração de relatórios da situação em sete países-piloto: Burundi, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, Nepal, Somália, Sri Lanka e Sudão. O trabalho concentrar-se-á em seis categorias: o assassínio e a mutilação de crianças, o rapto, os ataques contra escolas e hospitais, a violência sexual, o recrutamento de crianças, e a negação do acesso humanitário em áreas de conflito.
“Durante séculos, as crianças foram vítimas de conflitos e, em grande medida, a sua tragédia tem ficado por registar e não tem tido a atenção merecida,” afirmou a Directora Executiva da UNICEF, Ann M. Veneman. “Agora, com o apoio do Conselho de Segurança, podemos finalmente avaliar a verdadeira escala do impacte sobre as crianças de modo para que possamos agir com eficácia. Nos últimos dez anos, cerca de 2 milhões de crianças morreram devido a guerras, e muitas mais tiveram de abandonar as suas casas.”

Está claro que que medidas como esta só pecam por tardias. Mas o curioso disto tudo é que, mais uma vez, as guerras lideradas pelos EUA a pretexto da denominada “Luta contra o Terrorismo” parecem estar fora das tais acções concretas imediatas para combater o problema das crianças-vítimas da guerra, assim como os eternos conflitos Israelo -Palestiniano – Libanês ou Russo-Tchecheno...

Será que os Estados-Membros do Conselho de Segurança se consideram acima de críticas ou à margem de qualquer intervenção urgente neste domínio? São só as chamadas "Guerras Tribais" (muitas delas "alimentadas" por interesses da chamada "economia global")as únicas responsáveis pelos massacres de crianças? Ou os atentados-suicidas do Hamas, Hezbollah, Al Qaeda e grupos similares? E quando a morte vem do céu? E quando os mísseis “inteligentes” lançados pelos EUA ou por Israel (com o apoio dos EUA) destroem bairros residenciais, aurocarros ou viaturas civis, em vez de alvos militares, não matam crianças?

Que legitimidade têm os Estados-Membros do Conselho de Segurança da ONU para se considerarem apenas parte da solução e não, também, parte do problema?

Help Darfur