sexta-feira, setembro 11, 2009

Quando provincianismo rima com autismo....

O que é que faz com que os portugueses sejam incapazes de uma auto-análise séria e profunda? Por que motivo se perseguiu por cá quem acusou Portugal de ser "um relógio atrasado no tempo pela incúria dos que o governam" (Cavaleiro de Oliveira,séc.XVII), em vez de se resolver os problemas estruturantes que provocavam esse estado de coisas?
Fernando Pessoa avisou-nos: "Se [...] quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo [...][que]consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz."(1)
E Eça também já o tinha feito: "Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI [...] este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, [...] manda vir modelos do estrangeiro..."(2)

Quantos bons portugueses, dos que pensam a sério nos problemas do país, não colocaram a nu a nossa pequenez e falta de visão?
E como reagimos a essas críticas que fomos lendo e ouvindo ao longo da História? Perseguimos as vozes do bom senso, por "falta de sentido patriótico", e continuámos alegremente deslumbrados a olhar para "os grandes" da Europa, a gritar "também quero!". Afinal, que tínhamos nós a menos do que a França, a Alemanha, a....? Nada! Nós até fizémos dez estádios de futebol em tempo record para o Euro! E lá foi Durão Barroso,aclamado por todos os quadrantes políticos, nos idos de 2004, para a presidência da UE. O orgulho pátrio ao rubro compensava o desgosto de não termos ido à final. Portugal ia finalmente ter "voz activa" nesse sacrossanto centro de decisão...

Passados cinco anos, já percebemos que Portugal, afinal, não decidiu nada, não ficou mais rico nem mais "civilizado", que "um português na presidência da UE" não muda o destino do país. E,quanto aos motivos da escolha de Durão Barroso, em detrimento de outros candidatos, se ainda houver alguém a alimentar ilusões patrióticas, bem pode esquecê-las. Principalmente, se ler o que foi publicado, a propósito desse assunto, no Der Spiegel (23/7/09) e agora traduzido no Courrier Internacional (Setembro 2009):

"Medíocres... para chegar ao topo (3)

[...]
A próxima oportunidade para eleger Durão Barroso será a 15 de Setembro, mas talvez então nada aconteça [...]
Durão Barroso tornou-se uma figura tragicómica. Já quase ninguém o tem em grande conta. [...]
Este deixou de ter qualquer autoridade significativa, se é que alguma vez a teve. A questão que se coloca é saber por que motivo os líderes europeus o escolheram? E por que razão troçam agora dele e o deixam cair, como se a sua posição fosse meramente acessória e não um cargo proeminente dentro da UE, uma grande potência económica com aspirações a ser uma potência política? A razão é óbvia, diz um dirigente da Europa do Sudeste: a UE agarra-se a este homem, conhecido pela sua fraqueza, por razões de conveniência e porque a procura de uma alternativa iria provavelmente desencadear maiores conflitos. [...]"

E enquanto no centro da Europa o mandato do "nosso ilustre português" é brindado com estes mimos, principalmente pelo grupo de deputados socialistas alemães, por cá continua a merecer aplausos à direita e à esquerda. José Sócrates chega mesmo ao ponto de dispensar à reeleição de Durão Barroso para a presidência da UE o mesmo entusiasmo que aplica na sua eterna campanha auto-promocional. Embora não seja o único a ver no apoio a D.B. uma prova da consideração das grandes potências europeias por este nosso Portugal dos pequeninos, o modo como enaltece a importância disso, como se de um grande feito nacional se tratasse, é, no mínimo, caricato:

"Julgo portanto que o Dr. Durão Barroso não é um candidato de nenhum partido. Vai ser, tenho a certeza, um candidato de todo o Conselho", disse Sócrates. Segundo o primeiro-ministro, Durão Barroso "fez um bom mandato nestes quatro anos" [reler a opinião dos alemães] e a sua continuidade à frente do executivo comunitário "é muito importante para Portugal". [...]" (in: Público)

Eis a subserviência provinciana elevada ao expoente máximo!

Será que nunca vamos conseguir perceber?

Quem é que se encarrega de explicar aos senhores que nos governam (sejam eles quais forem) que Durão Barroso só será reeleito se/porque isso for/é conveniente para a Alemanha e França? E que a concretizar-se essa releição, tendo em conta as razões, não representa nenhum motivo de orgulho para Portugal?!


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Notas:

(1)- in:"O Provincianismo Português", Notícias Ilustrado, nº 9, série II, 12/8/1928
(2) - in: Os Maias
(3) - artigo de Ralf Beste, Klaus Brinkbäumer, Manfred Ertel, Rüdiger Falksohn e Hans-jürgen Shlamp

2 Comments:

At 3:20 da tarde, Blogger Carlos Tronco said...

Gosto do que escreves velhota!

 
At 3:38 da tarde, Blogger Helena Coelho said...

Coisas do andar de avião TAP, dão-me o último Courrier Internacional, adenda do Expresso. Ali chego a um texto “Medíocres para chegar ao topo“, um ditirambo contra Durão Barroso (e mais o homem da ONU), ali dito arquétipo da mediocridade burocrática no poder. O artigo é originariamente do Der Spiegel, defende explicitamente a ascensão a postos de chefia internacional de políticos alemães (e germanófilos), e é para isso que existe. A merda da redacção às ordens de Henrique Monteiro escolhe, “neutralmente”, o texto para encabeçar este pretenso “digest” da imprensa internacional?

Isto não tem nada a ver com Durão Barroso, sei lá se bom ou não lá nas Europas – para onde nunca deveria ter ido, pois apenas foi convidado porque era primeiro-ministro eleito, e não ex-primeiro-ministro como era a condição para exercer o posto. Isto tem mesmo a ver com o tipo de cabeças que trabalham para Henrique Monteiro. E a dele. “Escolham lá o alemão que quiserem desde que possamos dizer mal do nosso tipo …”, é o lema deste lixo de gente.

in http://ma-schamba.com

 

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