A inconveniência da verdade
Se Al Gore tivesse sido autorizado a assumir a presidência dos EUA (hipótese afastada de modo muito pouco democrático) estaríamos agora num mundo diferente?
Apetecia-me pensar que sim, mas parece-me que, tendo em conta os lobbies instalados, como presidente, a sua liberdade para agir em defesa do ambiente estaria muito reduzida, mesmo tendo em conta o regime presidencialista nos EUA...
"Uma Verdade Inconveniente", documentário de 90 minutos realizado por Davis Guggenheim e tendo como fio condutor as conferências de Al Gore, é um filme imperdível.
Incómodo, como deve ser qualquer filme que nos mostre, à exaustão, que o desenvolvimento tecnológico conseguido pelo ser humano não foi acompanhado, nem de longe, por um desenvolvimento do ser, mas apenas do ter.
Tudo o que fizémos, nestes milhões de anos de existência, pouco mais foi do que aplicar a inteligência na criação de armas cada vez mais mortíferas, indústrias cada vez mais poluente, estratégias de consumo cada vez mais vorazes...
Quanto à racionalidade, deixámo-la ao nível de qualquer hominídeo, entretida na reprodução (embora sofisticada) dos rituais mais básicos de propagação da espécie, de auto-satisfação, de conquista de território, de predação, crentes numa espécie qualquer de salvação eterna, apesar de todos os disparates que fizermos, porque alguém nos disse que uma entidade metafísica, ao criar o mundo em sete dias, nos deu a natureza para a usarmos em nosso benefício...
Só assim se explica que, apesar dos inúmeros estudos e alertas, ainda haja quem coloque a economia e a defesa ambiental em pratos opostos da balança...
Só assim se explica que, apesar da ameaça inequívoca do aquecimento global, ainda haja quem pense que isso não é problema seu...
Só assim se explica que, apesar de haver (algumas) pessoas inteligentes encarregadas de governar, os problemas ambientais passem para segundo ou terceiro plano de cada vez que sobe o preço do barril de crude...
Uma das questões mais pertinentes que o filme coloca tem que ver, exactamente, com a incomensurável capacidade humana para ignorar o óbvio, quando a sua conta bancária - e o suposto conforto que esta proporciona - assim o exige. Com efeito, como é que se pode esperar que alguém compreenda a relação entre consumo desenfreado e problemas ambientais, se o seu ordenado mensal depende, precisamente, da demonstração da sua incapacidade de compreensão?
Mas pode esse conforto durar até quando, se o planeta, à conta do aquecimento global, se vai desertificando, se a atmosfera vai ficando cada vez mais irrespirável, se as catástrofes "naturais" se sucedem a um ritmo cada vez mais acelerado e se o degelo das calotes polares já começou?
E assim vamos caminhando como os cegos de Brueghel, guiados por outros cegos, rumo ao precipício...
3 Comments:
Magnífico o nome do teu blog! Bocados de azul!
Quanto ao Gore, não seria muito diferente do Clinton. Teria aceite o compromisso de Quioto, talvez tivesse ido para o Afeganistão, mas não se teria metido no vespeiro do Iraque. A economia americana estaria mais saudável, assim como as relações da América com a Europa e as outras potências mais relevantes.
Mas no teu "post", pões em questão toda a evolução humana. Confesso que esse tipo de solidariedade ecológica de que acusas a humanidade me ultrapassa completamente. Para mim, o ambiente é para a humanidade, um património que temos que deixar às próximas gerações. precisamente porque lutamos pela nossa sobrevivência, pela reprodução da nossa espécie. Hoje, sentimos que o mundo está demasiado cheio para que a vida humana seja suportável. É um sentimento único do nosso tempo de cuja falta não podemos acusar as gerações anteriores. Queremos ter poucos filhos, para que tenham recursos naturais para uma vida digna de acordo com os valores que temos hoje em dia.
O post anterior foi da responsabilidade de Luís Filipe Redes
Olá Luís:
Só agora reparaste no nome do blog? Distraído ;)
Olha que eu não afirmaria tão categoricamente que Al Gore não se - "nos" meteria no vespeiro do Iraque. A avaliar por uma entrevista que ele deu, pareceu reconhecer que o facto de esar fora da Casa Branca lhe permite uma liberdade de movimentos que não teria se lá estivesse. Não te esqueças de que o Congresso também manda muito... e os lobbies do petróleo.... Além do mais, mesmo com Clinton, o Iraque continuou a ser bombardeado. Lembras-te da operação "Raposa do Deserto" - a tal que surgiu para desviar as atenções do escândalo da Mónica?
Eu não ponho em causa toda a evolução humana, mas simplesmente a ideia, que nos incutiram, de que a Natureza existe exclusivamente para consumo humano.
Essa ideia faz parte de uma herança ideológica de matriz judaico-cristã que se sedimentou no nosso imaginário cultural (nos países "ocidentais") de tal forma que, às vezes mesmo sem querermos, funcionamos de acordo com ela. E se isso não for corrigido, serão as próximas gerações a pagar por todos os disparates ambientais do passado e do presente.
Essa relação entre a herança cultural e os atentados ambientais foi-me sugerida pelo filme, embora não esteja lá explicitamente. Nada como ires vê-lo para formares a tua opinião... ;)
Lena b
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