sábado, fevereiro 11, 2006

Cartoons, Petróleo e Energias Alternativas

As reacções exacerbadas de grupos fundamentalistas islâmicos à publicação das caricaturas de Maomé no diário dinamarquês “Jillands Postem”, em 30 de Setembro de 2005, e sua republicação on-line no jornal católico norueguês “Magazinet”, em 10 de Janeiro de 2006, vieram reacender, aparentemente, a “velha” polémica do “Choque Civilizacional”, mesmo já depois desta tese – que assenta numa dicotomia simplista do tipo “Nós e os Outros” - ter sido em parte renegada pelo seu autor (Huntington).
Com efeito, assistimos nestas últimas semanas ao esgrimir de argumentos, defendendo, de um lado, a “liberdade de expressão” – apanágio das culturas ocidentais de cariz democrático, de outro, o respeito pelas convicções religiosas e valores culturais de grupos fundamentalistas que renegam esses e outros direitos em prol de um Islão uno e indivisível. Como uma pegajosa mancha de óleo, alastram as publicações dos cartoons um pouco por toda a Europa e também via internet, ganhando honras de destaque no Museu Virtual do Cartoon. Em resposta, por todo o mundo islâmico, desde a Palestina ao Irão, Síria, Arábia Saudita e Afeganistão, multiplicam-se atentados às embaixadas da Dinamarca, Noruega e Áustria (entre outras), manifestações de rua com o espezinhar de bandeiras do costume.
E o “braço de ferro” entre a democracia ocidental e o fundamentalismo islâmico começa a fazer vítimas mortais e despedimentos, à mistura com pedidos oficiais de desculpas, por parte do ministro norueguês dos Negócios Estrangeiros (e um jogo diplomático de outros, nomeadamente da administração Bush, a condenar a publicação dos cartoons), numa tentativa, já desesperada, para conter os ânimos. O diário “Hamshahri”, em Teerão, lança um concurso internacional de cartoons sobre o Holocausto, com o argumento da “liberdade de expressão” evocado pelos dinamarqueses e pela maioria da opinião pública “Ocidental” (que neste particular parece unir esquerdas e direitas). Mas ao mesmo tempo que tenta responder na mesma moeda (o que até seria legítimo) o Irão corta relações comerciais com a Dinamarca.

A questão impõe-se: poderá a Europa responder a um eventual embargo à importação dos seus produtos com um embargo à importação de petróleo? Não pode. Isso seria pôr em causa todo o estilo de vida hiper-consumista a que nos habituámos. Enquanto as energias alternativas não forem economicamente viáveis, a nossa “Civilização Ocidental” estará sempre assente sobre uma mancha escorregadia de crude – e este parece ser o cerne da questão em todo este conflito.
Mas será que não se vislumbra já no horizonte uma alternativa viável aos combustíveis fósseis? Será este conflito uma questão "Civilizacional", ou terá causas económicas subjacentes?

Pelo ciber-espaço circulam as mais variadas opiniões, ora condenando abertamente as reacções dos fundamentalistas islâmicos, numa óptica radical, ora tentando perceber, numa óptica marcada pelo “politicamente correcto”, se é ou não igualmente condenável a atitude “provocatória” do cartoonista dinamarquês que devia ter previsto o efeito catastrófico dos seus desenhos de qualidade estética discutível.

Mas de um lado e de outro, vão emergindo, cada vez mais nítidas, as suspeitas: o que parecia ser apenas um “fait-divers” aproxima-se, a passos largos, de um conflito internacional de grandes proporções. Terão sido as publicações destes cartoons apenas um pretexto de grupos americanos e judeus para acirrar os ânimos contra o mundo islâmico, com a pretensão de envolver a Europa nas suas guerras? Tal parece ser a mensagem que circula, via e-mail, entre os cibernautas indonésios, por exemplo, segundo o “Washington Post”: A few text messages and e-mails have been circulating, including one that reads: "The Danish cartoons are a design by the Jews and Americans to drive a wedge between Europe and the Islamic world." Mas as mesmas dúvidas se colocam, também, do outro lado da “barricada”: será esta reacção extremista dos grupos islâmicos proporcional à “provocação” recebida, ou não terão usado a indignação perante os cartoons como um pretexto para uma espécie de “cruzada anti-ocidente”? “Several people interviewed in Saudi Arabia said they were getting five or six text messages a day on the cartoon issue.” (W.P.) Ao que parece, a sua publicação num jornal egípcio, há alguns meses, não despertou grandes reacções no mundo islâmico. Só agora...

Recuando um pouco no tempo, há poucos anos, foi notícia no “Público” uma coligação da Comissão Europeia com países e regiões interessados em desenvolver projectos no âmbito das energias renováveis. Na esteira do “Protocolo de Quioto” e da “Cimeira de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável”, a União Europeia pretende “atingir 15 por cento até 2010 de energias renováveis como a solar e a eólica no consumo de energia mundial”. O curioso nisto é que o projecto da UE “mereceu a reprovação dos Estados Unidos, que o consideram irrealista, e da OPEP, que pretende defender o seu petróleo.” E é verdade que a Europa se encontra já empenhada em vários projectos de desenvolvimento de fontes alternativas de energia, que vão desde a reconversão das centrais nucleares até à exploração da energia eólica. Os recentes investimentos europeus no desenvolvimento da fusão nuclear (em vez da tradicional fissão) e a construção de um gerador eólico gigante, na Dinamarca, bem como outros projectos em curso, são prova desse empenho.

Assim sendo, será isto tudo um produto do tal “choque civilizacional”, amplificado pela globalização dos Media e pela sua acessibilidade através da Internet, ou não será antes o canto desesperado do cisne, por parte dos países produtores e exportadores de petróleo, num último medir forças antes que se esgotem as suas reservas e se descubram formas alternativas viáveis de obter energia? E os EUA? Qual será o seu verdadeiro papel nesta polémica toda?

Enquanto isso, a ONU vai nomeando comissões para analisar a situação, a ver se pode ou não integrar este conflito no dossier sobre o “racismo”...

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