sexta-feira, janeiro 27, 2006

Limpar a casa por dentro...

Fundada oficialmente a 24 de Outubro de 1945 em São Francisco, Califórnia, finalizada a Segunda Guerra Mundial, a ONU parecia, à primeira vista,ser a instituição internacional, por excelência, capaz de assegurar a equidade e justiça em todo o mundo e fornecer os princípios gerais para a regulamentação das relações humanas à escala global. Com efeito, uma das suas acções mais destacáveis foi a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, dando seguimento aos ideais emergentes da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm
Estava-se no rescaldo de uma Guerra Mundial, das bombas de Hiroshima e Nagasaki, do Holocausto Nazi, da destruição de Pearl Harbour e das mais importantes cidades europeias. Renascia-se das cinzas para um mundo novo e o Homem parecia empenhado em esquecer a violência, a humilhação, o sofrimento, em prol de uma Terra mais justa, mais habitável...
Mas foi sol de pouca dura. O mundo dividiu-se em dois blocos e o início da era nuclear desencadeou a corrida ao armamento de intimidação. A Guerra, agora, fazia-se entre gabinetes oficiais, corredores secretos e satélites espiões, com as flutuações do preço do crude em pano de fundo, ou lá longe, num Oriente que teimava em desafiar as potências beligerantes, ou era por estas manipulado. As missões de paz dos capacetes azuis surgiram, nesta altura, como um meio de resolver conflitos entre os Estados mediante o envio de pessoal militar desarmado ou portador de armas leves de vários países, sob o comando da ONU, e sua distribuição pelas forças armadas das partes anteriormente em conflito. Entretanto, "caíu" o muro de Berlim e o mundo respirou de alívio, pois a ameaça nuclear parecia afastar-se do horizonte e a "guerra das estrelas" parecia ser definitivamente arrumada na gaveta. Com o fim da Guerra Fria, desencadeou-se uma mudança radical nas atividades de manutenção da paz da ONU, que se tornaram mais complexas e de maior dimensão, tendo sido criado, em 1992,o Departamento de Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas, com o objetivo de apoiar a procura crescente de atividades de manutenção da paz complexas. A escalada de conflitos sangrentos em África, na América Latina, na Europa, em Timor, no Médio Oriente e outros pontos do globo, da segunda metade do século XX até hoje depressa torna insuficientes os meios humanos e materiais da ONU para assegurar as suas operações de paz e cria a necessidade de uma maior especialização dos serviços prestados por esta instituição, que vai absorvendo, cada vez mais quadros técnicos, meios logísticos, capitais, a fim de implementar no mundo os famigerados Direitos Humanos. O Conselho de Segurança, e os seus 15 Estados-Membros cria e define as missões de manutenção da paz, atribuindo a cada missão um mandato. No entanto, se qualquer um dos cinco membros permanentes - China, França, Federação Russa, Reino Unido ou Estados Unidos - votar contra a proposta, esta é rejeitada. Logo aqui se percebem as dificuldades desta instituição em fazer aprovar uma decisão e implementá-la no terreno.
Aliás, a sujeição da ONU à prepotência de um dos seus Estados-Membros, ficou bem patente na "Nova Ordem Mundial" ansiada pelos EUA após o atentado de 11 de Setembro de 2001 às torres gémeas de Nova Yorque. Contra o fundamentalismo islâmico, e os seus bombistas suicidas, ergue-se o fundamentalismo liberal, com as suas "bombas inteligentes" e as democracias artificiais. A ONU assiste, impotente. Como se isso não bastasse para revelar as fragilidades actuais do projecto de 1945, um pouco por todo o lado, as actuações dos soldados integrados nas missões de paz da ONU, bem como as de alguns quadros administrativos, deixam muito a desejar quanto à formação do pessoal em matéria de ética e respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. A par de casos bem sucedidos, surgem notícias preocupantes, como as dos abusos sexuais cometidos por capacetes azuis no Congo, Libéria, Costa do Marfim, Haiti e Burundi, tendo conduzido, neste último país, ao despedimento de soldados.
Aos poucos, aqui e ali, começa a abrir-se uma fractura entre a imagem oficial da instituição e a realidade no terreno. A par das declarações de eficácia em termos de custos, "A ONU gasta menos, por ano, na manutenção da paz a nível mundial do que a cidade de Nova York gasta nos orçamentos anuais dos seus bombeiros e da sua polícia." , que se podem ler no Site oficial, surgem notícias, como as desta Quinta-Feira, (26/1/2006), no Público:"Uma investigação interna das Nações Unidas feita ao departamento que gere as operações internacionais de manutenção de paz recolheu extensas provas de má gestão e fraude em vários programas dos capacetes azuis, o que já levou à suspensão de oito responsáveis da organização [...] os investigadores detectaram casos de desperdício generalizado de fundos, inflacção de preços e a suspeita de que funcionários da ONU conspiraram com fornecedores para a atribuição de contratos em diversos países onde a ONU mantém operações de manutenção de paz, incluindo Timor-Leste." . Com efeito, quem passou por Timor-Leste em trabalho, nos últimos anos, pôde verificar como, apesar do estado generalizado de pobreza da população, os preços dos serviços e bens essenciais de consumo sofrem, em Dili, uma inflacção galopante, que começou com a presença da UNTAED e continua. Com a agravante de, após a oficialização da independência, se terem retirado equipamentos técnicos indispensáveis, como geradores - em hospitais e outras instituições-, jipes e computadores, comprados para aquela missão específica de reconstrução de Timor, com o dinheiro dos países que contribuíram para a causa. E Timor, neste aspecto, não constitui caso único. Tal como um polvo que cresce demais e já não tem força para controlar as extremidades, assim a ONU, instituição criada com tão bons princípios éticos para servir causas tão nobres como a Humanidade, padece de falta de força para controlar o comportamento dos seus quadros intermédios e funcionários que, em tempo de crise generalizada e de decadência do modelo civilizacional que nos habituámos a conhecer, se candidatam às vagas de recrutamento de pessoal mais para ter um bom emprego do que por motivações realmente humanitárias.
"O orçamento da manutenção da paz proposto para o ano 2004-2005" era "de 2,68 bilhões de dólares mas se novas missões" fossem criadas, poderia "haver um acréscimo de mais 2 bilhões.". Não consegui saber se o orçamento para 2005-2006 é semelhante ou superior. Mas para que esse orçamento não "estoure", com gastos excessivos com o pessoal ou com a logística ou com eventuais desvios de fundos, e sirva o fim a que realmente se destina, está na altura da ONU começar a fazer uma reciclagem séria do seu pessoal e limpar a casa por dentro...

2 Comments:

At 3:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Há muito que me interrogo sobre quem é esse mamífero ao qual chamamos de ser humano? Ainda no outro dia ouvi duas senhoras a comentar na rua: "Ah, essa pessoa é muito humana!" Pessoa humana... Não seremos todos pessoas humanas, inclusive esses tais capacetes azuis que cometem atrocidades porque estão imunes a qualquer forma de punição? São despedidos, muito bem, mas o que lhes acontece depois? Provavelmente serão recrutados para missões pouco nobres em nome de "nobres" causas, por uma qualquer potência beligerante a quem interessa vender armamento para dinamizar a sua economia.
Não há dúvida que a ONU nasceu plena de virtudes e boas-vontades, mas errou num aspecto fundamental: o ser humano é complexo, "bom" e "mau" em simultâneo, e está muito longe de corresponder àquilo que entendemos como Humanismo.
Os ideais de "igualdade" entre as Nações e os povos do mundo que a ONU tanto apregoa, lembram-me as sábias palavras de H.G.Wells na "revolta dos porcos" - "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros". Para bom entendedor...

 
At 10:17 da tarde, Blogger lena b said...

... meia palavra basta. E de meias palavras ou meias verdades, com que se pretendem legitimar certas acções no plano internacional, já estamos todos fartos, não é? A ONU, actualmente, é um castelo gigante sitiado por fora - pelos interesses geo-estratégicos e económicos dos EUA - e minado por dentro, pelas pessoas não humanas que foi albergando na sua administração. Quanto tempo durará assim, até se desmoronar por completo?
Obrigada por teres passado por aqui, anani... ;)

 

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