sábado, maio 16, 2009

Um "iluminado" num mundo de "tolos"

"Era uma vez um tempo feliz em que só vivia um tolo em cada aldeia. As aldeias cresceram e tornaram-se cidades, mas os homens ainda sabiam como distinguir os tolos entre os seus semelhantes. A humanidade podia dividir-se facilmente em duas grandes categorias." (in: Os Mistérios da Estupidez, de Oliviero Ponte Di Pino, 2002, Âncora Editora, p. 46)

Há muito muito tempo era assim...

Vem isto a propósito do comentário do "nosso" PM a respeito da violência no bairro da Bela Vista (Setúbal). Dizia, impante, no debate quinzenal de quarta-feira dia 13, na AR: "as populações do bairro não estão sequestradas pela pobreza e pela miséria, mas pela violência que alguns membros exercem sobre essa população e eu não sou dos políticos que quando vejo pessoas a disparar sobre a polícia me lembro da pobreza, o que me lembro é da segurança das pessoas e de considerar inadmissível que alguém num regime democrático dispare sobre a polícia". (TSF)

Ou seja, na visão "esclarecida" de José Sócrates, a violência nasce por geração espontânea, sem nenhuma causa social que a determine...

Resta-nos a consolação de sabermos que nem toda a gente consegue ser tão "brilhante". O responsável pelo projecto de arquitectura do bairro da Bela Vista, José Charters Monteiro, por exemplo, já contrariou a tese do "nosso" PM, ao afirmar:
"A generalizada falta de instrução e de formação profissional que abrange as diferentes gerações, o desemprego crónico e o recurso ao rendimento mínimo de subsistência. Estes factores são, por si só, capazes de provocar os maiores problemas sociais e de relacionamento, qualquer que seja a proveniência e composição da população residente e qualquer que seja a área urbana em causa"(JN)Tal como Francisco Louçã, na AR, também Charters Monteiro considera urgente a intervenção no bairro, salientando que este assunto "não tem merecido da parte do Governo Central a necessária atenção nem importância".(Idem)

Perante a crítica de Francisco Louçã a este estado de coisas, esgrimiu José Sócrates os números dos apoios da Segurança Social - 1600 milhões de Euros - acusando o dirigente do BE de "demagogia", quando este exigiu uma intervenção urgente do Governo, uma vez que este, no dizer de Sócrates, "está a fazer o seu melhor". Ora, se essa verba se destinava a resolver os problemas sociais, e se o Governo está, realmente a fazer o melhor, por que motivo a situação do bairro da Bela Vista, segundo as conclusões do Observatório criado para a analisar é a que se descreve nestes termos pelo jornal "O Setubalense"?

(excerto)

"Mais do que a imagem pública que o bairro foi criando, o recém realizado Observatório Social da Bela Vista concluiu um conjunto de dados que mereciam determinadas respostas que nunca chegaram, de forma minimamente satisfatoriamente.

Uma das conclusões deste estudo - produzido entre Junho de 2006 e Novembro de 2007 – é que mais de metade da população do bairro vive em situação de pobreza. Segundo um dos autores deste estudo, o sociólogo José Miguel Nogueira, a Bela Vista “está marcada por questões de pobreza, apresentando uma taxa superior a 50 por cento, muito acima da média nacional.”

Aquele mesmo estudo concluiu que a taxa de desemprego naquele bairro, ocupado por 4.300 habitantes, é de 28,7 por cento, ou seja, “quatro vezes mais do que a média nacional.” E que a falta de habilitações académicas constitui outro grave problema no bairro: 25 por cento dos moradores não concluíram sequer o primeiro ciclo no ensino básico e alguns não sabem ler nem escrever.

O sociólogo José Nogueira concluiu neste estudo que a violência está confinada a um “pequeno grupo de jovens”, os quais praticam frequentemente “actos violentos.”
[...]

Carlos de Almeida, presidente da Junta de Freguesia de S. Sebastião, foi uma das entidades participantes na reunião de há três dias com o responsável pela pasta da Administração Interna.

A «O Setubalense» o autarca da freguesia onde se localiza este bairro social defendeu a necessidade de uma requalificação urbanística na Bela Vista, em paralelo com intervenções a nível económico e social, e acções multidisciplinares no terreno.

“Não se investiu nas áreas da habitação, educação e empregabilidade desta população, afinal as questões que estão no cerne deste complexo problema, mas o Estado vem agora gastar bastante dinheiro através desta intervenção policial,” criticou Carlos de Almeida.

O autarca da maior freguesia setubalense reconhece faltar a grande parte da população deste bairro - que integra numerosas famílias de origem africana - “uma perspectiva de futuro.” E apela a acções concretas, articulando diversos ministérios, a autarquia e as entidades radicadas no bairro.

Carlos de Almeida recordou os resultados do Observatório Social daquele bairro. “Está lá indicado e traduz a realidade. Não é preciso inventar nada”, atirou, qualificando de “intolerável” o facto do programa Integrado de Qualificação das Áreas Suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa – Proqual - ter “parado às portas daquele bairro social, alegadamente por falta de disponibilidade financeira dos vários governos.” (Teodoro João, in: O Setubalense, 13/5/09)

Posto isto, senhor PM, resta-nos fazer umas perguntas "tolas":

Afinal, os tão enfatuamente proclamados 1600 milhões de Euros destinados à população do bairro da Bela Vista não tinham sido para acção social?

Como se pode gastar tanto em apoios sociais para tudo ficar na mesma?

Se o Governo fez, realmente "o seu melhor", por que é que não deu resultado?

Se a violência, que felizmente não atinge todos, não nasce, entre outros factores, da falta de perspectivas de futuro dos jovens (e de outros menos jovens também), então vem de onde? Dos filmes que eles vêem?

Onde está a demagogia, afinal? Na preocupação com os problemas de fundo ou no show-off de medidas pseudo-paliativas que de nada servem?


Há muitos muitos anos, os tolos não chegavam a ministros... porque talvez não houvesse tolos suficientes para os eleger...

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