segunda-feira, outubro 15, 2007

Cobaias à força

Apesar do deslumbramento provocado pelo desfile de tantas eminências do PSD pelas ruas de Torres Vedras no passado dia 13 de Outubro, apesar do apelo do sol convidar a uma escapadela para as praias, apesar da feira rural ter ocupado demasiado os agricultores e apesar do futebol ter agarrado ao ecrã os "desportistas" de sofá, ainda assim a Sessão de Esclarecimento Sobre Alimentos Transgénicos, conseguiu ter a sala razoavelmente composta, tendo-se contabilizado 46 pessoas na plateia, que aguentaram, estoicamente, a complexidade científica e conceptual de algumas exposições. E porquê? Essencialmente, porque queriam saber, porque não se deixaram "embalar" pela pretensa segurança e necessidade da manipulação genética dos produtos destinados à alimentação, difundida pelos meios de comunicação social nem pelos lindos discursos dos políticos afectos aos interesses económicos das multinacionais que produzem as sementes (e os pesticidas e os medicamentos). Essencialmente, porque entendem que, antes de se embarcar em autorizações para a "libertação deliberada" de milho transgénico em Portugal (projectos da Monsanto e da Bayer para Rio Maior, Salvaterra de Magos e Alcochete - a iniciar já neste ano) deve-se analisar seriamente todas as suas implicações e riscos, quer para a saúde pública quer para o ambiente, quer ainda para as outras culturas não geneticamente modificadas, como o caso das convencionais e biológicas - e isso o Governo Português não está a acautelar! Essencialmente, porque, como consumidores, querem ver os seus direitos respeitados - nomeadamente o direito à escolha - e essa garantia não é dada pela legislação vigente quanto à rotulagem dos produtos que chegam aos supermercados, cantinas e restaurantes.

Os meus parabéns a esse pequeno-grande grupo de cidadãos!

Muito resumidamente, eis alguns dos principais tópicos das comunicações apresentadas (as iniciais identificam os autores cujos nomes aparecem no primeiro tópico):

- A manipulação da Biodiversidade tem sido sempre feita a favor dos humanos, mas não tem existido monitorização suficiente dessa manipulação. (Helena Freitas)
- Em Portugal, o banco agro-ecológico está dependente da carolice de alguns, não havendo (à semelhança dos EUA e GB) um banco de sementes sobre a variedade da flora nativa - por isso, em caso de contaminação da nossa flora por OGM Organismos Geneticamente Modificados) será impossível a recuperação das plantas nativas. (H.F.)
- Portugal não precisa de OGM, nem nos convém ficar dependentes da importação das sementes GM por incapacidade técnica e económica de as produzirmos. Isso seria o descalabro económico. (H.F.)
- Dizer que os OGM vêm responder às necessidades alimentares e acabar com a fome no mundo é uma falácia, porque os países subdesenvolvidos não têm possibilidade de produzir as sementes transgénicas. Vão ter de as comprar! (H.F.)
- A legislação actual revela-se também falaciosa, ao atribuir limites de segurança para o cultivo de plantas transgénicas, pois o pólen e os ventos não conhecem fronteiras. (H.F.)
- Não tem havido interesse, por parte das multinacionais (Monsanto, Bayer, Syngenta, etc) em sujeitar a análise dos seus produtos geneticamente modificados a laboratórios independentes, antes de os colocar no mercado, porque o seu lucro estará sempre assegurado no caso de estes se revelarem nocivos. (José Alfredo)
- As empresas que produzem as sementes (por exemplo do milho BT - já com insecticida incorporado - ou do milho resistente a pesticidas)são as mesmas que produzem medicamentos. Em caso de desastre comprovado na saúde pública, a longo prazo, aparecerão com as panaceias para curar as doenças que ajudaram a criar - continuando assim a garantir o seu lucro. (J.A.)
- Se na agricultura convencional os produtores podem guardar as sementes de um ano para outro, seleccionando as melhores, na produção de milho e soja transgénicos as sementes têm de ser compradas todos os anos às empresas que as produzem, porque estas são patenteadas - e patentear a Natureza é um crime. (J.A)
- Dizer que um produto é seguro apenas porque, a curto prazo (os OGM começaram a ser introduzidos no mercado há pouco mais de 10 anos) ainda não se verificaram mortes humanas (ignorando alguns testes laboratoriais, bem como acidentes reais, que comprovaram a toxicidade desses produtos para animais de menor porte) não é garantia de segurança para o consumidor. (Gualter Baptista)
- Ao longo da História, muitos cientistas já têm garantido a segurança de produtos e de procedimentos (caso da utilização de cadáveres animais na produção de rações para animais [herbívoros ruminantes] - que deu origem à BSE) que mais tarde se vieram a verificar nocivos. (G.B.)
- A engenharia genética não é uma ciência exacta e as mutações genéticas a que poderá dar origem são imprevisíveis. (G.B.)
- A maior parte dos estudos independentes que já comprovaram a toxicidade hepática e renal (em ratos de laboratório) dos OGM tem sido abafada e os cientistas que têm dado a cara são despedidos e impedidos de prosseguir os seus estudos. (G.B.)
-É impossível a coexistência entre culturas transgénicas, convencionais e biológicas, por causa da contaminação. (G.B.)
- A situação actual, criada pela urgência das empresas produtoras de OGM em escoar os seus produtos para o mercado, bem como a legislação criada pelos Governos dos mais diversos países (que levam a autorizações às cegas) não se tem regido pelo princípio da precaução. (Nilton Teixeira)
- A maioria das pesquisas é financiada pelas empresas que produzem as sementes transgénicas. (N.T.)
- Estamos a ser cobaias sem darmos autorização. (N.T.)
- Pensamos que somos livres, mas o que se passa, actualmente, é que não nos está a ser concedido o direito à escolha. (N.T.)
- A Organização Mundial de Saúde publicou um estudo, em 2005, definindo princípios éticos a ter em conta: - o princípio da sustentabilidade; - o princípio da equidade social; - o princípio de observância das necessidades regionais. (Clara Garcia)
- O recurso às novas tecnologias na alimentação e na saúde politizou-se e essa dominância do poder político, com o económico por detrás, não nos deve descansar. (C.G.)
- A saúde e a alimentação são bens públicos [direitos de todos] e não devem estar sujeitos, exclusivamente, aos interesses privados. (C.G.)
-A proliferação de OGM, do modo como está a ser feita, acontece a maior parte das vezes à revelia dos interesses (e do conhecimento) dos cidadãos que, muitas vezes têm dificuldade em associar-se e reivindicar os seus direitos. (C. G.)
- Devemos exigir a independência da investigação sobre OGM e informação correcta. (C.G.)
- Não é fácil cultivar e viver da agricultura. (Maria Trindade)
- Há financiamento do Governo para jovens agricultores, mas que interessa não é o Governo dar dinheiro aos agricultores, mas sim verificar como é que esses subsídios são aplicados. (M. T.)
- Quando se quer converter um campo de agricultura convencional em agricultura biológica é preciso esperar 2 anos e muitas pessoas não conseguem fazê-lo, maso problema principal não é os agricultores terem de esperar esses 2 anos. O problema é mudar a cabeça. As pessoas não querem esperar.(M.T.)

Pelo exposto, torna-se urgente pressionar o Governo a agir mais a favor dos cidadãos do que dos interesses das empresas multinacionais, à semelhança do que alguns países europeus já fizeram, como o caso da Hungria, Grécia, Polónia e, mais recentemente, a Itália - que rejeitaram o cultivo de milho transgénico à revelia das directivas europeias.

Torna-se urgente, também, promover o debate público sobre este assunto, de modo a que os cidadãos não sejam manipulados pelos interesses de umas poucas empresas.

É urgente que os consumidores se organizem e façam valer o seu direito a uma informação honesta e credível, de modo a poderem escolher livremente.

A questão que se coloca é: quem vai escolher um alimento transgénico (ou contendo transgénicos) de livre vontade? As empresas produtoras de OGM sabem muito bem que nenhum consumidor o vai fazer. Por isso agem subrepticiamente, manipulam a opinião pública, escondem dados importantes para garantirem autorizações dos Governos para a implementação de OGM. A contaminação de culturas não transgénicas por OGM já é um facto. A morte de animais por terem ingerido OGM também. No entanto, parece que ninguém consegue travá-los.

Mas não podemos deixar que façam de nós cobaias à força...

2 Comments:

At 4:56 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E que tal deixarmos de comer?
Santa paciência! Esta conversa politicamente correcta...é que me dá nauseas! Não será certamente dois anos que irão mudar mentalidades, mas cada passo é um passo. Sem fundamentalismos,o mundo gira e avança.

 
At 8:12 da tarde, Blogger lena b said...

A ideia até nem é de todo desinteressante. Se deixássemos de alimentar esse negócio dos produtos transgénicos (deixando de comer milho e soja OGM, ou seus derivados, por exemplo) - e optássemos por uma alimentação mais saudável (preferindo produtos biológicos ou outros garantidamente não contaminados), deixaria de ser tão lucrativa, para as empresas produtoras de OGM, toda a contaminação que andam a fazer pelos mais variados meios, quer das outras culturas quer da opinião pública.
Este comentário anónimo demonstra bem como está a ser feito esse jogo de forças entre o poder do dinheiro e o poder da razão... E por enquanto, a balança está a pender para o lado de quem detém o dinheiro...
Apelidar de "politicamente correctas" todas as denúncias que se têm feito, muitas cientificamente apoiadas, da forma como os OGM estão a ser introduzidos no mercado, ignorando uma evidência que salta à vista de qualquer um - a de não estarem a ser acautelados o princípio da precaução nem o direito à escolha - é que é uma atitude fundamentalista: o fundamentalismo económico, que assenta no dogma de que, no mercado vale tudo desde que haja lucro...

 

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